sábado, 12 de março de 2011

Rio de Janeiro


(publicado na Revista Poder, dezembro de 2010)

          Balneário decadente, belo e violento, arena ardente e sensual de miséria e desordem? Ou estado cheio de vida e possibilidades atraentes, antecipando um país que se reinventa? Pálida imagem melancólica de uma corte extinta? Ou retrato vibrante do futuro? Relicário de perdas ou ensaio geral de uma sociedade mais democrática? O Rio de Janeiro não é isso ou aquilo: é tudo isso, ao mesmo tempo. Nos próximos anos, a balança se inclinará para o cenário positivo ou negativo, dependendo do que fizermos dos desafios que, hoje, nos inspiram e assombram.
          Na economia, o estado do Rio sustenta o segundo lugar no ranking nacional graças ao petróleo, com tudo o que isso significa em termos de potencial de crescimento, sobretudo em função do pré-sal, mas também de riscos, pelas mesmas razões. Hospeda o maior pólo de cinema e vídeo, e uma rede poderosa de instituições científicas e acadêmicas, mas nos envergonha com o segundo pior desempenho brasileiro na educação. São crônicos os problemas em saúde, infra-estrutura e saneamento. As polícias fluminenses são extraordinariamente violentas e corruptas, e seus índices de esclarecimento de crimes são ínfimos. Entre 2003 e 2009, em supostos confrontos com suspeitos, elas mataram 7.854 civis e formaram as milícias, máfias brutais que tiranizam e exploram comunidades, ocupando espaços na política. Em meio ao fogo cruzado, o Estado paga aos policiais o segundo pior salário do país.
Apesar dos pesares, a população não deixa de se deslumbrar com as conquistas recentes –como a perspectiva de sediar a final da Copa do Mundo e as Olimpíadas--, ainda que nem por isso se mostre disposta a renunciar a um ceticismo corrosivo e contagiante.
          Tudo isso junto e misturado nos faz um povo movido a auto-ironia, esse humor trincado e doído que se nutre das ambiguidades. Aquelas mesmas que parecem forjar seu destino: elas começam na paisagem e terminam no convívio babélico de realidades antagônicas e tendências contraditórias. Nesse mesmo tom, seguindo o ritmo irregular das ambivalências, a sociedade maldiz a política e abençoa políticos e governantes, lhes concedendo novos mandatos, depois de despejar o veneno da repulsa sobre seus nomes, fotos e feitos.
          Foi o que aconteceu nas últimas eleições: o governador Cabral foi reeleito por larga margem, enquanto Gabeira, reivindicando representar o “novo”, se aliava a Cesar Maia, cujo clã comandou a prefeitura da capital por 16 anos. Cabral não venceu apenas pelos erros da oposição. Impôs-se também por méritos próprios: depois de três anos repetindo, na segurança pública, a velha tática do confronto, rendeu-se ao bom senso e retomou políticas que já se haviam comprovado promissoras. Rebatizou as experiências de policiamento comunitário nas favelas de UPPs (Unidades de Policiamento Pacificador) e as implantou com grande sucesso de público e crítica. Os territórios libertados do tráfico passaram a abrigar projetos sociais, como deve ser. Além disso, Cabral exibiu as vantagens da colaboração a um eleitorado cansado de infindáveis guerras políticas.
          Foi o bastante para sair das urnas maior do que entrou. Ainda que, nos porões, policiais e políticos mafiosos continuem roendo os fundamentos do Estado democrático de direito. Enquanto a casa não cai, o Rio vai adiando a refundação de suas instituições policiais. E se preparando para as festas de fim de ano e o carnaval. Afinal, ninguém é de ferro.