Nesta sexta, dia 3, dei uma palestra, promovida pelo MP da Bahia, a um grupo inter-institucional, formado para pensar e propor mudanças na segurança pública local, que não vai nada bem. Falei bastante, expus diagnóstico e propostas. O leitor ou a leitora interessada pode ler minhas últimas entrevistas (à Veja on line e ao Le Monde Diplomatique, Brasil), ambas postadas aqui mesmo, neste blog.
O que importa aqui é compartilhar a iniciativa que sugeri especificamente ao MP. Observo que venho defendendo essa ideia há vários anos, em palestras e conversas com amigos promotores e procuradores, Brasil afora. De meu ponto de vista, entre as diversas virtudes do MP, como instituição, destaca-se a autonomia de seus membros individuais. Por outro lado, sua falha talvez mais grave é a autonomia de seus membros individuais. Aí está a dor e a delícia de ser o que é, como dizia Caetano Veloso. Virtude e pecado, fonte de vitalidade e de inoperância, de força e impotência, garantia de liberdade e causa de dispersão. O MP priva-se, assim, de definir uma política e estruturar-se com organicidade, atuando com vistas a metas e prioridades segundo meios concertados. A política, nesse caso, tem P maiúsculo e se refere à identificação de compromissos constitucionais alheios a circunstâncias ou vínculos partidários.
Tomemos o caso do controle externo da atividade policial, que cumpre ao MP exercer por mandato legal. Qual tem sido, via de regra, respeitadas as variações regionais e ocasionais, o desempenho policial? Creio que poucos discordariam se eu respondesse: sofrível. E o digo ressalvando a competência de milhares de profissionais. A corrupção tem sido, em média, muito superior ao suportável, assim como a brutalidade, expressa sobretudo em execuções extra-judiciais. As taxas de esclarecimento de crimes são ínfimas, quando são conhecidas. O trabalho preventivo é amplamente suplantado pela reatividade. Examinemos a outra ponta, o MP. Qual tem sido seu desempenho no exercício do controle externo, respeitadas as variações regionais, locais e circunstanciais? Pífio. Em geral, reduz-se à "caça" de desvios de conduta individuais. Entretanto, tais desvios têm se revelado sistematicamente padronizados e previsíveis, tais suas escala e regularidade. Ou seja, os problemas não resultam de falhas individuais de comportamento. São ações rotineiras e institucionalizadas, mesmo que traiam a vontade dos comandos. São fruto de mecanismos que se reproduzem, alheios a eventuais esforços de contenção de corregedorias ou frágeis e raras ouvidorias.
Ora, se é assim, e se a responsabilidade do MP é zelar pelo cumprimento das determinações constitucionais, em cujos termos cabe às polícias garantir a fruição de direitos fundamentais, protegendo a vida e a liberdade pelo uso comedido da força, quando necessário (e na exata medida das necessidades, cujos limites extremos são a legítima defesa da própria vida e da vida de inocentes), a conclusão que se impõe é simples: cabe ao MP constatar que diversas polícias brasileiras não estão cumprindo seu mandato constitucional. E não o estão fazendo, insista-se, sistematicamente, ano após ano, independentemente dos comportamentos individuais (que merecem, é claro, atenção e abordagem jurídica adequada). Por que, então, nenhum MP estadual, até hoje, dirigiu-se à polícia, enquanto instituição, e ao governo estadual, que a comanda, cobrando o endosso de pelo menos um termo de ajuste de conduta, que se traduza em compromissos bastante objetivos, ainda que dispostos no tempo por um consistente e realizável plano modular?
Caso o plano de correção de conduta, fundamentado em um plano de reforma institucional coerente e viável, não seja apresentado ou, em sendo apresentado, não seja implementado conforme a previsão acordada, penalidades devem sobrevir, até o limite da intervenção federal. Para que se avalie a fidelidade ou não ao plano, o MP, com apoio de universidades e institutos de pesquisa, formaria gabinetes de acompanhamento e avaliação de performance policial.
Finalmente mas não menos importante, o respeito à dignidade humana, cidadã e profissional dos policiais, por parte dos governos e das polícias, deveria ser um dos critérios de juízo e uma das metas chave desse esforço de controle externo, em nome da segurança pública, do Estado democrático de direitos e dos direitos humanos.
LES