quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Entrevista sobre Segurança Pública e Conjuntura Política

Entrevista concedida ao repórter Marcelo Xavier Rocha, da revista Época, em 28 de dezembro de 2010.


 1) Como o senhor avalia a segurança pública no futuro governo Dilma Rousseff?


Resposta: Quando candidata, a presidente Dilma quase não se pronunciou sobre o tema ou o fez de forma genérica, mencionando aqui e ali uma ou outra possível iniciativa, como o controle das fronteiras e  a expansão o modelo das UPPs. Não foi apresentado um plano nacional de segurança pública com amplitude e  especificações técnicas. Durante a transição, a presidente referiu-se à segurança apenas para classificá-la como prioridade. Mais não disse. Portanto, seria leviano antecipar juízos. Entretanto, a experiência autoriza afirmar que reformas estruturantes ou se implementam no primeiro ano de mandato, quando é mais fácil vencer resistências e queimar capital político, uma vez que a vitória eleitoral traz consigo lastro para liderar e legitimidade para mudar, ou nunca se fazem. Até porque nosso ciclo eleitoral é bienal. Sendo assim, ou o novo governo guardou muito bem o segredo ou nada tem de concreto a oferecer em matéria de reformas institucionais, no campo da segurança, pois as teria de começar a implantar imediatamente, caso tencionasse realizá-las. Portanto, os indícios apontam, infelizmente, para o imobilismo, relativamente às transformações que considero decisivas para o Brasil (eu e 70% dos policiais e profissionais da segurança pública brasileiros). Tudo indica que vamos continuar convivendo com a arquitetura institucional e o modelo policial fixados no artigo 144 da Constituição, em cujos termos pouca responsabilidade é conferida à União, os municípios são praticamente excluídos, a maior responsabilidade cabe aos governadores, as polícias estaduais --mal pagas-- reduzem-se a duas meias polícias que competem entre si e, em geral, mostram-se reativas e ingovernáveis, refratárias a avaliação e controle externo.

Na ausência de reformas institucionais, temo que nos arrastemos por mais quatro anos insistindo em fazer mais do mesmo, adiando a tarefa histórica de estender à segurança o processo da transição democrática e modernizante, que marcou o país nas últimas décadas.
Por outro lado, tenho esperança de que os avanços conquistados por Tarso Genro e Balestreri não se percam. A Renaesp e o Pronasci têm sido importantes por valorizarem a educação policial e a participação dos municípios na segurança, via políticas preventivas. Espero que o novo ministro mantenha e expanda ambos os programas. Mas gostaria que ele reconhecesse que esses esforços não podem substituir as inadiáveis reformas institucionais. Todavia, há muito a fazer enquanto as reformas não vêm. O melhor caminho seria retomar o plano de normatização do Susp, sistema único de segurança público, que define parâmetros nacionais de qualidade para as áreas chave das instituições da segurança pública, como a formação, a gestão do conhecimento, a gestão institucional, a perícia e o controle externo.

2) O que o senhor pensa do perfil escolhido para comandar o Ministério da Justiça? Eduardo Cardozo é um político, mas com conhecimento técnico. (O ex-ministro Tarso Genro, em entrevista ao Estadão, falou que será um trabalho de continuação e superação)

Resposta: Não conheço o novo ministro. Ele tem a imagem de um político que fez escolhas difíceis e justas, contra conveniências e cumplicidades, em momentos críticos. Arriscou a carreira por convicções, o que está fora de moda. Por que não poderia surpreender, fazendo, agora, a coisa certa, metendo a mão em vespeiros mesmo sob risco do desgaste político? No ministério da Justiça, há dois destinos: equilibrar-se no cargo para merecer a foto na aristocrática sala de retratos, onde se conta a história do país, ou fazê-la. Por que não confiar na melhor hipótese?

3) Qual deve ser a prioridade do próximo governo? É realmente dar continuidade ao Pronasci?

Resposta: O Pronasci merece ser mantido e fortalecido, porque estimula iniciativas preventivas e municipais, mas está longe de corresponder a uma política nacional de segurança. Seria preciso ir além, tratando das reformas já mencionadas, que deveriam vir associadas à normatização do Susp.

4) Ficou claro para o senhor qual foi a prioridade do atual governo Lula?

Resposta: A prioridade, no primeiro mandato, foi substituir, por ações espetaculares e midiáticas da polícia federal, a promessa de uma audaciosa reforma institucional, destacada no plano nacional de segurança pública que o presidente Lula apresentou ao país, em fevereiro de 2002, antes mesmo de oficializar sua candidatura. No segundo mandato, as iniciativas foram muito mais consistentes e as prioridades, mais positivas: o investimento na educação policial (Renaesp), liderado pelo secretário nacional, Ricardo Balestreri, e a aposta em ações locais preventivas, conduzida pelo ministro Tarso Genro. Por isso, o segundo mandato registrou avanços significativos, ainda que, mais uma vez, ao custo do sacrifício das reformas institucionais, cujo preço político evitou-se pagar.